Resenha -- A Sociedade de Corte - Norbert Elias
Por: Gislaine Calumbi
Particularidades
da figuração aristocrática da corte.
No texto, o autor faz
uma análise interessante sobre a busca de melhor posição social das camadas
abastadas, utilizando-se de um observação sobre a chamada sociedade de corte, e
muitas vezes compara-a aos burgueses para mostrar que a luta pelos privilégios
são similares, só mudam os jeitos.
No ethos social dos
profissionais burgueses a obtenção de melhor condição social está sob a dependência
de uma estratégia em que, dentre ganhos e despesas, a família busca poupar para
obter um melhor saldo futuro.
De um modo diferente do
burguês, outras sociedades basearam seus esforços em prol de um consumo de
prestígio e status. Para manter a posição e o respeito nesta sociedade, é
necessário manter uma aparência pré determinada por regras sociais, baseada na
ostentação de objetos de alto valor, portanto, em gastos altos. Diferentemente da burguesia – que poupa
despesas e utiliza-se de estratégias para a acumulação do capital – a sociedade
de corte tinha a obrigação de gastar. De acordo ao autor, até o final do século
XVIII “o termo ‘éconimie’, no sentido
de submeter os gastos aos rendimentos e à restrição planejada do consumo a fim
de economizar, tem valor de desprezo nas bocas da aristocracia de corte.” (p.
86), o conveniente não era trabalhar – como acontece entre os burgueses – mas
possuir um patrimônio herdado e altas despesas.
A busca pelo status
está presente em muitas sociedades. Um exemplo citado por Elias, na Inglaterra
dos séculos XVII e XVIII, havia períodos de competição das famílias na busca de
prestígio e poder. Nesse lugar as classes abastadas não tinham o caráter de
corte detentora de poder junto ao rei, acima de todos, como na França. Na
realidade inglesa havia uma melhor abertura e imprecisão entre a nobreza e a
burguesia. A construção de residências belas e bem projetadas fazia parte da
corrida pelo prestígio, e por conta dessa disputa muitas vezes vinha à ruína as
famílias. O fracasso pessoal também significava a incapacidade diante de seus
rivais.
Baseado no esboço de
Montesquieu, Elias aborda as questão das barreiras legais utilizadas para
separar os diferentes grupos sociais. Por exemplo, a proibição legal de os
nobres tornarem-se comerciantes está baseada na “moral” de que, para um nobre,
utilizar-se do comercio no intuito de aumentar seus rendimentos é desonroso, causando
a perca do titulo para aquele que infringir a lei. Utilizando Montesquieu como
referência Elias afirma
De
inicio, ele observa como seria incorreto abolir a regra que proíbe os nobres de
enriquecer pelo comércio. Se acontece isso, retirariam dos comerciantes o
principal impulso que eles têm para ganhar bastante dinheiro: quanto melhor
forem como comerciantes, maior sua chance de deixar a posição comercial e de
conseguir comprar um titulo de nobreza. (p. 88)
A partir do momento em
que a família alcança a posição almejada, diminui a prática da acumulação pois
passa a investir nas despesas visando a posição. O modelo de Montesquieu
apresentado pelo autor consiste num “movimento circular”: as famílias burguesas
enriquecidas conseguem alcançar a nobreza, enquanto que as famílias nobre
arruinadas se vêem diante da necessidade de obter seus ganhos por meio do
trabalho (tornando-se assim não mais nobres, mas burgueses, ‘povo’).
Esse modelo
constitui-se, segundo o autor, “parte integrante do aparelho de dominação na
França”(p.88). Essas diferenças e rivalidades entre os grupos era parte do
processo de dominação do rei, Luiz XIV, o qual tinha conhecimento e experiência
quanto ao perigo que é quando as elites ”superam seus antagonismos mútuos e se
juntam para agir contra o rei”(p. 89).
A mobilidade social é
entendida por Elias como algo inicialmente determinado por fatores inerentes
àquela sociedade. Porém, quando o equilíbrio dos poderes entre os indivíduos
pende em favor do rei, então este “tem a chance de controlar a mobilidade
social de acordo com os interesses de sua posição, ou simplesmente de acordo
com seus próprios interesses e inclinações” (p.89) Tanto a ascensão social
quanto a decadência está sob o controle do rei. Ele pode evitar o decaimento de
uma família dando-lhe um cargo na corte, por exemplo. Em troca as pessoas iriam
comportar-se exatamente de modo a agradar o rei.
Fazendo uma comparação
ente a nobreza do passado e os ricos das sociedades industriais, o autor aponta
características bastante semelhantes e também as diferenças, principalmente no
tocante ao consumo em função do prestígio. Segundo ele, nas sociedades
industriais desenvolvidas o consumo em função do prestigio existe (não
desapareceram), mas não é como nas sociedades de corte. A pressão para
elevar-se socialmente nas sociedades de corte, está baseada na exibição de
objetos caros, que simbolizam prestigio e status. Enquanto que nas sociedades
industriais essa prática existe mas não tem tão alta relevância como naquela,
pois podem (e recomenda-se) poupar a fim de melhores investimentos e acumulação
de seu capital.
A estrutura das
moradias residenciais na sociedade de corte era um bem sujeito a exibição por
prestigio. Havia por conseqüência, a necessidade de diferenciação entre as
casas da aristocracia e as pertencentes à realeza. “Espera-se que uma família
da alta nobreza do corte, não pertencente a família real, guarde devida
distancia, na decoração de sua residência, em relação a residência de um
príncipe de sangue” (p. 93).
Na
atualidade é fácil distinguir a sociedade do Estado, e inclusive a dependência
por parte da primeira é menos direta que nas sociedades pré-industriais, nestas
a violação da regra citada acima pode culminar na divisão do poder da família,
o que demonstra que a ação do rei sobre as famílias é bem mais direta.
Etiqueta e cerimonial:
comportamento e mentalidade dos homens como funções da estrutura de poder da
sociedade
O
“monde” do séc XVII, que tinham Luiz XIV como rei, era centro principal de
concentração social. “Como o rei não aprovava (...) a fragmentação do convívio
social e a constituição de círculos fora da corte (...) a vida social
concentrava-se em grande medida na própria corte” (p.97). Após a morte de Luis
XIV essa rigidez foi dando espaço para o surgimento de outros lugares de
convívio social, especialmente palácios e castelos de demais nobres, que
segundo Elias “não era nada menos do que pequenas cortes”(p. 97). Nota-se que o
século XVIII tem-se uma melhor flexibilidade em relação ao período anterior.
Sobre este período é interessante a afirmativa que o autor faz a respeito,
Sob o reinado de
Luiz XV, o centro de gravidade deslocou-se de tais palácios para hôtels, as residências aristocratas da
corte que não eram príncipes. Mas isso de modo algum diminuiu a importância da
corte como centro. Nela todas as engrenagens da sociedade acabavam se juntando;
nela se decidiam ainda a posição, a reputação e, até certo ponto os rendimentos
dos cortesãos. A partir de então a corte passou a dividir com os círculos
aristocráticos apenas seu significado como centro do convívio social, como
fonte de cultura. (p.97)
No reinado de Luiz XVI
a nobreza dispersou-se. A riqueza acumulada entre os burgueses favoreceu a
diminuição da importância da nobreza enquanto centro social. Sob o Império de
Napoleão surge uma nova elite que “em virtude das mudanças nas condições às
quais devia sua existência, ela não se comparava à antiga quanto ao estilo de
vida, quanto aos cuidados e ao refinamento da maneira de viver” (p.98).
Dentre a hierarquia das
casas, a construção que estava no topo era o palácio do rei, fonte de
inspiração para toda a sociedade. Sobre isso o autor faz referencia ao palácio
de Versailles como um típico exemplo, para ser analisado no intuito de um
melhor entendimento sobre os hôtels –
que segundo ele, “sob o reinado de Luiz XIV não passavam de dependências do
palácio real” (p.98). É possível notar que esse edifício se caracteriza como um
lugar capaz de abrigar uma grande quantidade de pessoas, segundo Elias milhares
de homens. Mas no lugar disso, o palácio servia como residência do rei e abrigo
temporário da sociedade de corte. Encontram-se no palácio do rei todos os
elementos presentes num hôtels, porém
muito ampliados, simbolizando a posição de poder e prestígio do rei.
O autor destaca a
questão da racionalidade, do auto controle das emoções por parte dos indivíduos
que formam a “boa sociedade”. Para ele a influência dos modelos conceituais de
comportamento sobre os indivíduos numa sociedade depende e difere a partir da
sua realidade social. A realidade cortesã e a burguesa poderia ser
possivelmente compreendida como uma demonstração de que “a primeira é um
estágio anterior e uma condição da segunda em termos de desenvolvimento” (p.
107). A racionalidade da corte possui um caráter baseado numa estratégia de
comportamento em relação “a possiveis perdas e ganhos de status e prestigio sob
a pressão de uma competição contínua pelo poder” (p.108)
O que Elias intitula “A
arte de observar as pessoas” refere-se à capacidade das pessoas de se
observarem em seus comportamentos, habilidades e limitações. A arte cortesã de
observar as pessoas tem caráter realista por entender o individuo como um ser
social, que responde a regras, e não como um ser individual, pessoa. Conhecer
os motivos por traz dos comportamentos alheio era uma necessidade, bem como
entender os próprios sentidos – no intuito de dissimulá-los da melhor forma.
Os livros da
sociedade de corte possuíam um caráter de representação do eu ou uma
“elucidação casual”, desse modo, tomando La Rochefoucauld para análise, Elias
afirma:
Seus livros,
portanto, nada mais eram que instrumentos diretos da vida social, passagens das
conversas e dos divertimentos em sociedade ou, como é o caso da maioria das
memórias de corte, conversas que foram impedidas; por um motivo qualquer, pela
ausência de um interlocutor apropriado. (p.120)
A importância de
observar o comportamento e o que está por traz deste possibilitou o sucesso da
arte de descrever pessoas. Observar os demais significaria aprender a lidar com
eles.
A descrição feita por
Elias, de uma passagem em que Saint-Simon, que faz parte da oposição, tenta
aliar-se a um príncipe, traz dicas para se reconhecer a consciência e o modo
como ele tenta alcançar seus objetivos. Para a pessoa que ocupa uma posição
inferior a arte de dissimular exige um domínio especifico, no intuito de que o
outro não perceba sua intenção, pois é por meio da persuasão que o mesmo pode
conquistar o que deseja, ou não. Para
não sair em desvantagem a pessoa não deve, de forma alguma, deixar transparecer
suas expectativas. “Conduzir o interlocutor de nivel social mais elevado para
onde se deseja, quase imperceptivelmente, com delicadeza, é o primeiro
mandamento do intercambio entre os cortesãos” (p. 122). Assim a relação se dá de uma forma não
objetiva, mas como um processo de formação de afinidades, baseado num jogo de
interesses.
A relação entre os
cortesão integram a vida pessoal ao longo dos anos, pois uns dependem dos
outros. Não é como os profissionais burgueses que têm suas relações
delimitadas.
O “racional” está sob a
dependência da estrutura social. Para Elias, o que ainda não foi enfatizado por
teóricos, foi a existência de uma racionalidade não necessariamente
capitalista. E a analise da sociedade de corte mostra a sua existência.
ELIAS, Norbert. A sociedade de corte: investigação sobre a sociologia da realeza e da aristocracia de corte. 1897-1990
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